Uma hora tinha que começar, então, borá lá. Lixo Extraordinário (Waste Land), documentário dirigido pela americana Lucy Walker, com parceria brasileira – no caso, os diretores João Jardim e Karen Harley e a produtora O2 Filmes – conta a história de uma das mais importantes obras do artista plástico Vik Muniz, “Retratos do Lixo”. Vik vai até o maior aterro sanitário da América Latina, o Jardim Gramacho, na cidade de Duque de Caxias-RJ, para fotografar os catadores e reconstruir suas imagens numa escala gigante a partir dos materiais recolhidos no lixão. Daí em diante, é a história de Vik, dos catadores e processo de construção da obra, misturando-se para revelar um pouco da realidade local.
O documentário é bom. Bem editado, bem filmado, tem boas entrevistas e bons personagens, mas falta a novidade. É relatorial. Um relatório bem interessante, com certeza, mas nada presente ali foge do esperado, ao menos para um espectador brasileiro que conheça minimamente a realidade do seu país. E, talvez, por essa consciência ser algo tão local, Lixo Extraordinário acabou caindo nas graças do Oscar. Creio eu, que tanta felicidade naquele espaço degradado, tanta noção da sua condição e do seu papel, surpreenda aos desavisados.
Como forma de mostrar uma realidade que, apesar de sua existência reconhecida, não chega visualmente às pessoas, o trabalho é satisfatório e muito enriquecido pelos personagens escolhidos. Encontraram gente que gosta de falar, e, não se engane, nem todo mundo está disposto a se abrir tanto. A câmera assusta muita gente.
(Aqui, faço um aparte: uma das coisas mais interessantes numa produção documental em que os personagens são escolhidos paralelamente às filmagens é exatamente esse processo de decisão, tanto de quem filma quanto dos entrevistados, mas isso sempre acaba limado no final)
Mas o mais importante no filme é o que mais incomoda: o protagonismo do artista plástico Vik Muniz. Mesmo se tratando um personagem interessante, afinal é um dos grandes nomes da arte contemporânea hoje, nenhum dos dois papéis que ele representa é bem demonstrado, nem a figura do self-made man, nem o artista e todo o seu processo criativo. E nem precisava muito, cinco ou dez minutos a mais de documentário, dariam bem essa noção. Ou então cortar alguns trechos que não dizem nada, como a visita feita à casa onde ele cresceu.
Por outro lado, algo muito interessante também relacionado à arte, são os momentos de vislumbramento dos retratados quando vêem a reconstrução de suas imagens a partir do lixo. É algo que entre todas as formas de expressão artística, as artes plásticas são as mais instantâneas. Viu, entendeu, gostou, muito mais rápido que uma música ou filme, por exemplo. O diálogo entre Tião e Vik sobre a concepção de arte do catador é, apesar de simples, muito interessante.
Caberia ainda falar um pouco mais dos catadores, afinal são eles as grandes figuras do documentário, mesmo não sendo protagonistas, ou sobre como a presença de Vik muda de alguma forma a perspectiva deles, mas paro por aqui, pois nada que fosse dito iria além do mostrado pelo filme, seria mera descrição. Resumindo, o documentário é bom porque é simples, mas não é ótimo, porque é simples. Ele não arrisca na linguagem, na filmagem ou na edição, a preocupação é passar a mensagem. E isso Lixo Extraordinário consegue fazer sem nenhuma dificuldade.
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